A osteogênese imperfeita é um distúrbio genético raro do tecido conjuntivo, caracterizado por fragilidade óssea e osteopenia, ocasionando limitação funcional e redução da qualidade de vida. A fisioterapia atua no tratamento e prevenção destas consequências por meio de métodos como o Pilates. O objetivo do estudo foi conhecer os benefícios deste método no tratamento da OI. Foi analisada a evolução da paciente durante onze meses, com base nos registros do prontuário. O Pilates era realizado três vezes por semana, com sessões de uma hora de duração. Pôde-se observar ganho de força muscular, melhor consciência corporal e auto estima da paciente.
Palavras‐Chaves: Osteogênese Imperfeita; Força Muscular; Equilíbrio Postural; Fisioterapia; Reabilitação
A osteogênese imperfeita (OI), conhecida também como “Doenças dos ossos de vidro”, é um distúrbio genético raro do tecido conjuntivo, caracterizado por fragilidade óssea e osteopenia com manifestações clínicas variadas em razão de defeito do colágeno tipo 1.1 Seu quadro clínico variável pode ser sinônimo de limitação funcional e de redução da qualidade de vida.2
O tratamento da OI consiste em manter a qualidade de vida do paciente e não em reverter seu quadro.3 A fisioterapia também atua de forma eficaz no tratamento e principalmente na prevenção de fraturas destes pacientes4 através de cinesioterapia, hidroterapia e eletroestimulação, além do método Pilates, tratamento proposto neste trabalho.5
Assim como na OI, pacientes com Osteoporose apresentam fragilidade óssea e alto risco de fraturas. Portanto, cabe discorrer sobre tal patologia, visto que o tratamento, tanto medicamentoso quanto fisioterapêutico é semelhante ao de osteogênese imperfeita.
A Osteoporose é definida como um distúrbio osteometabólico que consiste na redução da densidade mineral óssea, acarretando em desgaste da estrutura dos ossos e consequente aumento de sua fragilidade e do risco de fraturas, caracterizadas como a principal manifestação clínica da patologia. A prática de exercícios físicos é indicada no tratamento destes pacientes com objetivo de minimizar a perda óssea e evitar possíveis quedas, melhorando equilíbrio, padrão de marcha, reações de defesa e propriocepção do indivíduo. Nesse contexto, o Pilates é sugerido como abordagem terapêutica, havendo registros de sua eficácia na melhora da qualidade de vida de pacientes com osteoporose.6
O método é recomendado para ganho de flexibilidade, definição corporal e aumento da saúde.7 Além disso, trabalha a conscientização postural, corrige desequilíbrios musculares e fortalece musculatura. Atualmente é reconhecido também como recurso de reabilitação no tratamento de atletas de elite, de desordens neurológicas, dor crônica, problemas ortopédicos e lombalgia.8
Ainda não há na literatura, estudos que correlacionem o Pilates ao tratamento de OI. Porém, a prática de exercício físico é reconhecida como aliada no tratamento de osteoporose, visto que a contração muscular aumenta a densidade óssea fortificando essa estrutura e diminuindo a prevalência de fraturas. Portanto, o Pilates pode ser ferramenta terapêutica na OI pois estimula a produção de cálcio, fortalece tendões e ligamentos, corrige alterações posturais, como a escoliose, causada em decorrência de deformidades ósseas, desenvolve a capacidade respiratória e orienta o paciente na realização de suas atividades cotidianas.9
Paciente de sexo feminino, 34 anos, com Osteogênese Imperfeita do tipo IV, apresentando como sintoma a esclerótica azulada e histórico de fraturas, além de baixa estatura, com 1.40m de altura. Praticante do método Pilates no período de Janeiro a Novembro de 2014. Ativa, estudante universitária e estagiária em meio período. Mora sozinha e é, independente quanto às tarefas de vida diária.
Nasceu de parto normal, com 8 (oito) meses de gestação, apresentando duas fraturas em fêmur bilateral e arqueamento de tíbia e fíbula ao nascimento. Não engatinhou e iniciou deambulação independente aos 13 meses de idade, período no qual se deu início uma sequência de fraturas, em fêmur direito, com frequência aproximada de uma fratura ao ano.
Entre 6 (seis) e 10 (dez) anos de idade a quantidade de fraturas se intensificou, sendo duas ao ano o que favoreceu a osteoporose por desuso. Neste período a paciente fez uso de órtese HKAFO (com suporte de quadril, joelho e pé) a fim de auxiliar sua ortostase.
Após a idade de 10 anos, sofreu 5 (cinco) fraturas, sendo duas no mesmo local de tíbia e fíbula direita e outras duas em fêmur, ocorridas no mesmo trauma.
Realizou procedimento cirúrgico para correção de fratura no fêmur esquerdo, aos 13 anos de idade, com colocação de haste intramedular e imobilização com gesso por 90 dias.
Segundo registros no prontuário, paciente apresentava frouxidão ligamentar, o que favoreceu o acontecimento de 3 (três) entorses no tornozelo direito, sendo todas após os 20 (vinte) anos de idade.
Evoluiu com luxação de joelho esquerdo, diversas deformidades em membros inferiores devido às fraturas e ao arqueamento dos ossos. Apresentava osteopenia e osteoporose em quadril direito e coluna vertebral.
Realizava tratamento medicamentoso com Protos 2g e acompanhamento médico com ortopedista e psicólogo.
O primeiro contato da paciente com o método Pilates se deu por indicação médica, no ano de 2011. Praticou o método por cerca de 1 (um) ano, interrompendo a prática, reiniciando-a no estúdio onde foi realizada a pesquisa, em 6 (seis) de Janeiro de 2014. Após Avaliação Fisioterapêutica, constatou-se que a paciente apresentava quadro álgico leve em quadril direito e membros inferiores e mais intenso em linha média de joelho esquerdo, devido à luxação anterior. No exame físico, apresentava anteriorização da cabeça, ombro esquerdo deprimido, escoliose convexa à direita, quadril direito elevado, geno varo, pés pronados, retificação torácica e hiperlordose lombar, redução do equilíbrio, relatada com piora significativa após quadro de luxação de joelho e hipomobilidade torácica.
Em avaliação, descrita em prontuário, foi aplicada a Escala de Força Muscular de Council, onde se obteve, como resultado, força de musculatura abdominal Grau 3 e de membros, Grau 3.
O Pilates foi realizado, durante todo o período de Janeiro a Novembro de 2014, com frequência de 3 (três) vezes por semana e cada aula com duração de 60 (sessenta) minutos, período este analisado no presente estudo.
De acordo com os relatos do prontuário, inicialmente, não foram realizados exercícios no Ladder Barrel, pois a paciente relatava grande insegurança e receio de sofrer quedas. Os exercícios eram preferencialmente realizados em solo, sempre com base de apoio e de nível básico, e consistiam em treino de força de abdômen, alongamento de cadeia lateral de tronco no Reformer e na Step Chair (Mermaid), fortalecimento de membros superiores e inferiores tanto no Cadillac, quanto no Reformer e Step Chair, tais como Série de Foot Work e Arm Spring Series, com leve resistência.
Nos registros bimestrais encontrados, observa-se que a evolução dos exercícios no tratamento desta paciente seguiu os mesmos parâmetros de qualquer outro treinamento, avançando gradativamente com a força de molas, associação de outros acessórios aos exercícios e retirada de um ponto de apoio, também gradativa.
Em evolução bimestral registrada, fisioterapeuta relata ter observado uma melhora na consciência corporal da paciente, redução de quadro álgico em joelho esquerdo e discreto ganho de força em musculatura abdominal.
No terceiro (3º) mês de tratamento, o principal objetivo foi o ganho de equilíbrio e a prevenção de quedas. Foram mantidos os exercícios da primeira etapa de tratamento e introduzidos acessórios para aumento da carga dos exercícios, como por exemplo o uso do disco de equilíbrio, rolo ou da bola suíça como apoio sob os pés no exercício de Ponte, ou com o Círculo Mágico entre os joelhos. Além disso, foram realizados exercícios tais como Single Leg Kicks com caneleiras de 1Kg em MMII, Série de Foot Work no Reformer, Educativo do Leg Circles em solo e The Cat to Elephant durante finalização da aula. O treino de equilíbrio sobre o disco foi intensificado nesta fase, realizando apoio monopodal sobre o disco com apoio de MMSS.
Ao fim do segundo bimestre, foi relatado que paciente obteve melhor contração abdominal, melhor consciência postural e realizava exercícios na bola com mais controle, além de ter apresentado redução de tremor sobre o disco de equilíbrio.
No quinto (5º) mês de tratamento, foi relatado que a paciente realizava exercícios de nível intermediário, por meio do aumento da resistência de molas, mudança na posição dos membros inferiores durante exercícios em decúbito dorsal, como no The Hundred com MMII à 90º, e retirada de um ponto de apoio nos exercícios de equilíbrio.
No terceiro bimestre, os exercícios realizados foram: Leg Circles, trabalho de Propriocepção no Reformer, realizando Foot Work com apoio de pés na bola suíça, com terapeuta apoiando esta bola, Dissociação de cintura escapular na Step Chair e Mergulho na bola, além dos já realizados com perfeição pela paciente nas fases iniciais. Foram introduzidos exercícios no Barrel, tais como alongamento de quadríceps, Montaria, alongamento de cadeia posterior de membros inferiores e extensão de coluna em decúbito ventral. Relatos revelam ganho importante de condicionamento e resistência física, força muscular e equilíbrio, e revelam, também, que a paciente relatava uma melhora em seu dia a dia e em suas atividades de vida diária, realizadas com mais disposição e sem presença de dor.
Em reavaliação, realizada neste quinto mês de tratamento, foi reaplicada a Escala de Força Muscular de Council: aumento do Grau de Força para 4 tanto em musculatura abdominal quanto em membros superiores e inferiores.
Até o sétimo (7º) mês, foi mantido o nível dos exercícios realizados anteriormente, com aumento de carga aplicada por meio de uso de caneleiras de 2kg e molas de maior tensão e foi relatado que a paciente apresentava melhor mobilidade de coluna torácica e já realizava as aulas sem necessitar de tanto feedback externo.
No nono (9º) mês, os exercícios realizados eram de nível avançado e visavam melhora da fluidez e qualidade de movimento. Foram realizados exercícios tais como Leg Pull Up And Down, Jack Knife, The Hundred no Reformer, Prancha com membros superiores apoiados na Bola e Rolling Down e Up com bola suíça. Foi relatada a evolução nesta fase de treinamento, com redução da fadiga muscular apresentada pela paciente em exercícios tais como o Teaser avançado no Cadillac.
Relatos mostram que, ao longo do décimo primeiro mês, as sessões eram realizadas com fluidez, sendo possível realizar cerca de 20 (vinte) exercícios por hora, sem pausas. Os objetivos das aulas giravam em torno do aperfeiçoamento do exercício visando qualidade de movimento, fluidez e capacidade de realizar multitarefas, com exercícios de solo de nível avançado e uso de diferentes acessórios durante o movimento. Foram realizados exercícios tais como The Teaser, com resistência de acessórios, quatro apoios com resistência de Theraband, Remada em Cadillac em decúbito dorsal sobre a bola, fortalecimento de quadríceps em Step Chair com movimento associado de flexão de MMSS com bola suíça nas mãos sem nenhum ponto fixo e Jack Knife sem auxílio de membros superiores. Após o término dos 11 (onze) meses de treinamento, paciente relata: “O Pilates mudou minha vida. Não vivo sem ele mais.”
Em reavaliação, realizada no décimo primeiro mês de tratamento, foi aplicada novamente a escala quantitativa de força muscular de Council, resultando em aumento do Grau de Força para 5 (cinco) em musculatura abdominal e 4 (quatro) em membros superiores e inferiores.
Em entrevista não estruturada sobre as mudanças ocorridas em sua vida, registrada em prontuário, a paciente relatava: “(…) ganhei muita força e equilíbrio e minhas juntas ficaram mais estáveis. Minha postura está muito melhor e eu não sinto dores mais”
A osteogênese imperfeita (OI) é um distúrbio genético raro do tecido conjuntivo, caracterizado por fragilidade óssea e osteopenia podendo ser sinônimo de limitação funcional de acordo com o seu grau e o quadro clínico apresentado.10
No que diz respeito ao Grau de Força Muscular, houve aumento em membros superiores e inferiores entre os meses 1 (um) e 5 (cinco), com evolução de Grau 3, onde o músculo vence apenas a gravidade, para Grau 4, em que o músculo vence gravidade e pequena resistência, grau que se manteve até última reavaliação, no Mês 11. Houve portanto um ganho total de força em membros superiores (MMSS) e membros inferiores (MMII) de 20%. Foi possível observar também ganho de 40% da força de musculatura abdominal, entre os meses de Janeiro e Novembro de 2014, com alteração da pontuação da escala de 3 (três) no primeiro mês, 4 (quatro) no quinto mês e 5 (cinco) no décimo primeiro mês, o que representa uma força normal de musculatura abdominal contra grande resistência, conforme demonstrado em Tabela 1 abaixo.
Os exercícios realizados no Pilates têm como foco fundamental o centro de força, atuando na promoção do alinhamento biomecânico do tronco, gerando alivio de quadro álgico e melhoria da saúde, o que contribui com o presente trabalho visto que houve uma redução da pontuação do nível de dor, relatada pela paciente, na região da coluna lombar.11
A musculatura abdominal consiste no principal grupo muscular trabalhado no Pilates, pois em todos os exercícios do método, é solicitada a contração abdominal associada ao movimento, o que se deve ao fato de a musculatura abdominal ter grande importância, pois se sabe que esta dá o suporte, em conjunto com musculatura paravertebral e de assoalho pélvico, para a manutenção do alinhamento postural e da ação contra a gravidade,12 o que pôde ser confirmado por este estudo, em que se observou o rápido ganho de força muscular abdominal obtido pela paciente analisada.
A paciente, em estudo, obteve um aumento de força muscular em membros superiores e inferiores, e isso pode estar relacionado ao constante trabalho de fortalecimento de MMSS e MMII com aumento gradativo da resistência das molas, e uso de diversos acessórios tais como o Círculo Mágico e a Bola Suíça, para potencializar sua ativação.13
Os resultados encontrados pelo presente estudo concordam com pesquisa realizada em 2012, que relata a importância da abordagem de centralização no método Pilates, onde são trabalhados os músculos abdominais, estabilizadores da coluna vertebral, iliopsoas, quadríceps, região lombossacral e de assoalho pélvico, na melhora da força muscular em membros inferiores, do equilíbrio e até mesmo da capacidade aeróbia, provavelmente em função da melhora do tônus muscular, o que reduz a fadiga e melhora a resistência muscular na realização dessas tarefas.14
Além do ganho quantitativo descrito acima, foi possível observar um ganho secundário, de caráter qualitativo, pois houve melhora na autoestima da paciente e de sua qualidade de vida, redução de ansiedade, ganho de condicionamento físico, descrito pela própria paciente, visto em momentos de sua vida diária, sendo o Pilates definido por ela como “indispensável” para seu bem estar físico e mental. Este efeito pode estar relacionado ao aumento dos níveis de serotonina, epinefrina e dopamina que atuam como antidepressivos naturais e promovem sensação de prazer.15
Tais benefícios também foram descritos por Joseph Pilates (1956), que afirmou “O Pilates desenvolve um corpo uniforme, (…) vigora a mente e eleva o espírito”.
As imagens sobre o Pilates podem ser vistas no final do artigo.
Tabela 1 – Grau de Força Muscular no Medical Research Council
Variação | % de Variação MMII e MMSS | % de Variação Abdominal | |
Mês 1 para Mês 5 | 20,00% | 20,00% | |
Mês 5 para Mês 11 | 0,00% | 20,00% | |
Mês 1 para Mês 11 | 20,00% | 40,00% |
Fonte: Prontuário da paciente.
Imagem 1
À esquerda, apoio bipodal sobre o disco de equilíbrio com auxílio de membros superiores. À direita, apoio monopodal sobre disco de equilíbrio com auxílio de membro superior.
Imagem 2
Série de Foot Work em Reformer sob tensão de molas para fortalecimento de membros inferiores.
Imagem 3
Exercício da Montaria em Barrel associado ao fortalecimento de membros superiores com bola de peso.
Imagem 4
The Hundred
Amanda Cassilhas Trindade Mourrahy1; Mariângela Braga Pereira Nielsen2*
1Fisioterapeuta pela Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia – EMESCAM.
2 Doutora em Kinesiologia y Fisiatria pela Universidade Nacional de General San Martin – USAM, Argentina. Professora da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia – EMESCAM