Objetivo: Demonstrar a importância da Etnobotânica e da Etnofarmacologia, como práticas tradicionais e de bioprospecção da Fitoterapia para Sistema Único de Saúde. Métodos: Realizou-se levantamento bibliográfico em bases de dados em fontes informacionais, utilizando descritores como estratégia de busca. Resultados: A Etnobotânica e Etnofarmacologia representam estratégias para o resgate dos saberes e na geração de conhecimento científico e tecnológico voltados para o uso sustentável de plantas medicinais. Conclusão: A inserção da Fitoterapia na atenção primária no Sistema Único de Saúde, qualifica o acesso, fortalecendo a implementação de políticas públicas na saúde. Palavras-chave/Descritores: Etnobotânica; Etnofarmacologia; Medicina Tradicional; Fitoterapia.
Etnobotânica; Etnofarmacologia; Medicina Tradicional; Fitoterapia
O Brasil possui grande potencial para o desenvolvimento da Fitoterapia, como a maior diversidade vegetal do mundo e ampla sociodiversidade. Para validar cientificamente este conhecimento, vinculou-se o uso de plantas medicinais ao conhecimento tradicional populacional e a prospecção tecnológica.1-3 O uso das plantas medicinais é um processo de produção e reprodução de variados saberes e práticas, originados de diferentes culturas, e que resultam da organização social e produtiva de comunidades tradicionais.
O uso das espécies vegetais, com fins de tratamento e cura de doenças e de sintomas, perpetuaram-se na história da civilização, com registros sobre a importância das plantas para o homem primitivo: aos feiticeiros, considerados intermediários entre os homens e aos deuses cabia a tarefa de curar os doentes, unindo-se, desse modo, magia e religião ao saber empírico das práticas de saúde, a exemplo do emprego de plantas medicinais, 4-6 destacando-se o seu uso como recurso terapêutico de muitas comunidades e grupos étnicos.6,7 As observações populares e as investigações científicas sobre o uso e a eficácia de plantas medicinais de todo mundo mantêm em voga a prática do consumo de fitoterápicos, tonando válidas as informações terapêuticas que foram sendo acumuladas durante séculos. 7-9 A Etnobotânica e Etnofarmacologia são consideradas importantes ferramentas no resgate de saberes tradicionais das sociedades humanas, passadas e presentes, e suas interações ecológicas, genéticas, evolutivas, simbólicas e culturais com as plantas e a geração de conhecimento científico e tecnológico voltados para o uso sustentável dos recursos naturais.10,11 Muitos foram os avanços nas últimas décadas para a regulamentação da Fitoterapia no Brasil como estratégia terapêutica disponível na Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS). A formulação e implementação de políticas públicas para valorização do conhecimento tradicional e científico das plantas medicinais e sua inserção na saúde pública para cuidados primários, representam o marco regulatório e incentivo à pesquisa para plantas medicinais e fitoterápicas, priorizando a biodiversidade do país, o desenvolvimento de tecnologias e inovações nas diversas fases da cadeia produtiva, o que nos motivou a realizar estudo de revisão cujo objetivo é demonstrar a importância da Etnobotânica e da Etnofarmacologia, como práticas de resgate de “saberes” tradicionais e prospecção tecnológica da Fitoterapia para o SUS.
Realizou-se levantamento bibliográfico de artigos de periódicos e teses e dissertações nacionais, indexados nas seguintes bases eletrônicas: PubMed, Scopus, Web of Science, SciELO, Lilacs e Portal de Teses Capes e sites governamentais (para pesquisa de legislação pertinentes a plantas medicinais e fitoterápicas), no período de jan/1983 a dez/2014. Foram utilizadas combinações de palavras-chave e descritores como estratégia de busca, sobre Etnobotânica e Etnofarmacologia; saberes tradicionais e prospecção tecnológica; Fitoterapia.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), grande parte da população mundial tem confiança nos métodos tradicionais relativos aos cuidados diários com a saúde e cerca de 80% dessa população, principalmente dos países em desenvolvimento, confiam nos derivados de plantas medicinais para seus cuidados com a saúde. Aproximadamente 25% de todas as prescrições medicamentosas são formulações baseadas em substâncias derivadas de plantas ou análogos sintéticos ou seus derivados.13,14 Essa potencialidade é amplamente valorizada pelas populações tradicionais, manifestação esta indissociada dos aspectos culturais. Este aspecto requer especial atenção quanto ao conhecimento tradicional e à questão da repartição de benefícios decorrentes desse conhecimento.13,15 Numerosos processos marcaram a evolução da arte de curar com plantas medicinais, porém torna-se difícil delimitá-las com exatidão devido ao fato de que esta terapêutica esteve por muito tempo associada a práticas mágicas, místicas e ritualísticas, que adquiriram fundamental importância na medicina tradicional,11,14,15 o que remonta, por exemplo, a tribos brasileiras, em que as mulheres se encarregavam de extrair das plantas, de forma artesanal, os princípios ativos para utilizá-los na cura das doenças. À medida que os povos tornaram-se mais habilitados em suprir as suas necessidades de sobrevivência, estabeleceram-se papéis sociais específicos para os membros da comunidade em que viviam. 11,13 O primeiro desses papéis foi o de “curandeiro” Esse personagem desenvolveu um repertório de substâncias secretas que guardava com zelo, transmitindo-o, seletivamente, a iniciados bem preparados. 15, 16,17 As resultantes de uma série de influências culturais, como a dos colonizadores europeus, indígenas e africanos, geraram o conhecimento popular, normalmente desenvolvido por grupamentos culturais que ainda convivem intimamente com a natureza, observando-a de perto no seu dia-a-dia e explorando suas potencialidades, mantendo vivo e crescente esse patrimônio pela experimentação sistemática e constante, como alternativa viável para o tratamento de doenças ou manutenção da saúde.11,18,19 A transmissão oral desse conhecimento é muitas vezes a única maneira de registro desse saber e está relacionada ao convívio direto dos mais jovens com os mais velhos, pertencentes a uma determinada comunidade, o que requer um contato familiar intenso e prolongado entre diferentes gerações.10,11
Até meados do século XX, o Brasil foi um país essencialmente rural, com amplo uso da flora medicinal, tanto a nativa quanto a introduzida.20,21 Entretanto, em muitas localidades, onde a modernização foi introduzida de forma mais contundente, esse convívio já não existe, devido a mudança de valores principalmente por parte dos jovens que passaram a ver o conhecimento tradicional como antiquado e depreciativo. 10, 11 Com o início da industrialização e aumento da urbanização no país, o conhecimento tradicional passou a ser posto em segundo plano devido a pressões econômicas e culturais externas. 20, 21 Associadas às mudanças sociais, ocorreram também mudanças de concepções de vida, de valores e de lógica no processo de socialização, que tornaram tais práticas desvalorizadas por pertencerem à outra lógica. 15, 21 Os conhecimentos tradicionais foram sendo perdidos ao longo do tempo, seja pelo extermínio de alguns povos que não deixaram registros escritos, seja pela introdução de novos hábitos nas sociedades que sempre privilegiam o que vem de fora, pela facilidade de acesso aos serviços da medicina moderna e ainda pelo deslocamento de pessoas de seus ambientes naturais para regiões urbanas.11,15 Durante a segunda metade do século XX, as questões ambientais ganharam espaço nos painéis internacionais. Entretanto, junto a esse movimento de popularização do ambientalismo ocorreu um forte processo de insurgência de outros atores na luta pela “defesa da natureza” ou “desenvolvimento sustentável” que, apesar dos esforços políticos empreendidos, não conseguem responder de forma satisfatória aos conflitos vivenciados no cotidiano. 1, 8,21 À medida que o modelo capitalista e todas suas formas de materialização dominavam quase toda superfície do planeta, 21, 22 as populações com modos de vida tradicional (indígenas, quilombolas, comunidades rurais e mesmo nas periferias dos centros urbanos) foram deixadas à margem do desenvolvimento. 11, 15,22 Além do mais, as representações das medicinas tradicionais foram consideradas, por muito tempo, como objetos exóticos, desprovidos de coerência e eficácia, característicos de sociedades e culturas atrasadas, sendo destinadas a desaparecer com a implementação e disseminação da medicina ocidental, 21, 23 principalmente por suas diferentes formas de manifestação, exercidas por curandeiros, conhecedoras de plantas, raizeiros, entre outros.6,7
No convívio com o ambiente e como estratégia de sobrevivência, os agricultores e as populações tradicionais do Brasil incorporaram elementos da paisagem florestal a sua rotina produtiva, de forma a obter recursos para o consumo da própria família, suprir necessidades nas atividades produtivas e obter renda durante o ano todo, sazonalmente ou eventualmente.4, 10 O uso regional dos recursos nativos está fortemente associado às comunidades locais, sobretudo em pequenas propriedades agrícolas, e comunidades caiçaras, quilombolas e indígenas, 25 especialmente no que se refere ao uso desses recursos para fins energéticos (lenha), para o consumo esporádico de frutas, além do uso de plantas para fins ornamentais e medicinais.24, 25 Nesses casos, devido à disponibilidade de matéria prima, as plantas medicinais são geralmente cultivadas em hortas, quintais ou coletadas em mata, ao conhecimento acumulado de antepassados. 20, 25 Devido à precariedade de assistência médica convencional, são as plantas na maioria das vezes, o único recurso disponível para o tratamento de doenças. 11,25
O conhecimento em comunidades tradicionais (o saber) aparece sempre ligado ao seu aspecto prático (o fazer). Ou seja, os saberes estão interligados à vivência e à interferência real no ambiente que a comunidade ocupa, sendo muitas vezes, essa ação o fator de origem e surgimento de novos saberes. 11,16 O que se sabe, possui sempre algum objetivo e resultado práticos, não existindo discriminação entre saber teórico e saber prático, sendo ambos adquiridos ao mesmo tempo, na medida em que as crianças participam das tarefas cotidianas da comunidade e absorvem, aos poucos, explicações verbais e codificações sobre seu fazer, enquanto aprendem como fazê-las. 10,11,16 Tais comunidades, na maioria das vezes, são formadas por grupos familiares que abrigam um conhecimento próprio, repassado entre as gerações familiares, com particularidades que ficam restritas àquele grupo, à sua cultura e a forma como realizam o cuidado à saúde. 15,16,23 Esse tipo de contato familiar, muito comum em comunidades rurais onde a agricultura familiar é vigente, valoriza o convívio diário entre as gerações, onde são repassados não apenas os aspectos vinculados à sustentabilidade do sistema de produção, mas são incorporados também, questões relativas ’às crenças, a valores e ao seu meio cultural.15,25 O conhecimento do modo pelo qual diferentes sociedades humanas relacionam-se com o ambiente circundante tem papel fundamental no acesso à socialização do conhecimento tradicional à medida que, na busca do resgate do conhecimento popular, esses saberes vão sendo registrados e sistematizados.21, 25,27 Esse tipo de levantamento tem sido relevante, pois, além de refletir a relação humana com o ambiente em determinado tempo e lugar, poderá subsidiar planos de manejo, 27, 28 que visem a conservação diversidade biológica, bem como, tornar acessíveis esses tipos de saberes às futuras gerações, possibilitando inclusive, a realização de novos estudos.28, 29 Todos esses elementos passíveis de estudo, são importantes ao esclarecimento das concepções e práticas relativas à saúde e doença em uma comunidade.22,23 No sentido de promoção do resgate de “saberes” tradicionais e sua aplicabilidade científica, 23, 26 a Etnobotânica e a Etnofarmacologia de plantas medicinais tradicionais são ferramentas importantes para que esses aspectos sejam levados em consideração, visto que tais sistemas não buscam somente uma listagem de plantas, 15,22 mas também contribuir com o processo de pesquisa de substâncias bioativas, e, além disso, elucidar os elementos (materiais ou simbólicos) constitutivos e característicos das concepções e práticas terapêuticas locais. 22,26
O termo Etnobotânica foi cunhado em 1895, pelo botânico taxonomista John W. Harshberger, da Pennsylvania University30. A etnobotânica é uma disciplina muito antiga, visto que o conhecimento sobre plantas úteis remonta à própria existência da humanidade. 31 Compreende o estudo das sociedades humanas, passadas e presentes, e suas interações ecológicas, genéticas, evolutivas, simbólicas e culturais com as plantas. 30,31 A investigação etnobotânica pode desempenhar funções de grande importância como reunir informações acerca de todos os possíveis usos de plantas, como uma contribuição para o desenvolvimento de novas formas de exploração dos ecossistemas que se oponham às formas destrutivas vigentes.32, 33 Os conhecimentos e tecnologias tradicionais, enriquecidas pelo conhecimento científico ocidental, podem ser desenvolvidos, dentro de programas regionais de desenvolvimento, entendendo-se este não somente como um novo estilo de desenvolvimento mais racional, “ecologicamente” falando, mas como parte de uma estratégia política para o intercâmbio social.22,34,35
No Brasil, com o desenvolvimento das ciências naturais e, posteriormente da antropologia, o estudo das plantas e seus usos por diferentes grupos humanos passou a ter outra visão.30, 31 Estudos etnobotânicos indicam que as pessoas afetam a estrutura de comunidades vegetais e paisagens, a evolução de espécies individuais, a biologia de determinadas populações de plantas de interesse, não só sob aspectos negativos, como comumente se credita à intervenção humana, mas também beneficiando e promovendo recursos manejados.31,33,36 Estes estudos, quando desenvolvidos em comunidades rurais, que ocupam áreas com grande diversidade biológica, 28 podem fornecer dados importantes sobre plantas medicinais, alimentícias e com outros fins, ampliando as possibilidades de aproveitamento dos recursos associados à conservação da biodiversidade.28, 29,36 Se no seu início, a Etnobotânica tinha um caráter mais restrito, estudando as inter-relações entre as plantas com as sociedades ditas “primitivas”, com o passar do tempo, 34 o foco de sua investigação expandiu-se, fazendo parte agora não somente as sociedades indígenas, mas também outras sociedades tradicionais e industriais e suas relações estabelecidas com a flora.12,18 No caso das investigações etnobotânicas, a classificação das plantas só possui sentido se for construída a partir de várias práticas sociais, como o cultivo da terra, a preparação de comida, remédios e cosméticos ou para a cura de doenças.32, 37 Pesquisas nesta área facilitam a determinação de práticas apropriadas ao manejo da vegetação com finalidade utilitária, pois empregam os conhecimentos tradicionais obtidos para solucionar problemas comunitários ou para fins conservacionistas.3,38 Podem também subsidiar trabalhos sobre uso sustentável da biodiversidade através da valorização e do aproveitamento do conhecimento empírico das sociedades humanas, a partir da definição dos sistemas tradicionais, incentivando a geração de conhecimento científico e tecnológico voltados para o uso sustentável de plantas medicinais e fitoterápicas.2,21,22 O uso da expressão sistema tradicional não implica admitir que se trata de um sistema estático ou uma forma de retardo cultural, que não responde ou contrasta com a racionalidade e a modernidade. 21 A coexistência de vários sistemas de saúde usados no mundo todo e sua utilização por diversas classes sociais são evidências consideráveis de que a interação é dinâmica, levando a alterações em todos os sistemas que coexistem. 22 Na estratégia etnofarmacológica, é de absolutamente fundamental que se compreendam os conceitos do sistema do qual se obtêm as informações; observações não contextualizadas são cientificamente inúteis.19,22 Estudos etnobotânicos e etnofarmacológicos são importantes uma vez que o território brasileiro abriga uma das floras mais ricas do globo, da qual 99,6% é desconhecida quimicamente 28, onde a intensificação dos trabalhos leva ao conhecimento de propriedade e de novas espécies, que são utilizadas, 19 podendo servir como instrumento para delinear estratégias de utilização terapêutica e conservação das espécies nativas e seus potenciais.19,22 A domesticação, a produção, os estudos biotecnológicos e o melhoramento genético de plantas medicinais podem oferecer vantagens, 34, 35 uma vez que torna possível obter uniformidade e material de qualidade que são fundamentais para a eficácia e segurança.26,39 Mesmo assim, as pesquisas científicas que visam à validação do uso de plantas medicinais e fitoterápicas.13, 40 Neste contexto, o uso tradicional pode ser encarado como uma pré-triagem quanto à propriedade terapêutica (isso não implica em admitir que plantas medicinais ou remédios caseiros sejam destituídos de toxicidade) As investigações, de cunho científico, visam à formulação de hipóteses quanto às atividades e às substâncias ativas responsáveis pelas ações terapêuticas relatadas, o que seria o método etnofarmacológico.18,19,22 Como estratégia na investigação de plantas medicinais, a abordagem etnofarmacológica consiste em combinar informações adquiridas junto a usuários da flora medicinal (comunidades e especialistas tradicionais), com estudos químicos e farmacológicos.19,22 Como estratégia para investigação de plantas medicinais, a abordagem etnofarmacológica consiste em combinar informações adquiridas junto a comunidades locais que fazem uso da flora medicinal com estudos químico/farmacológicos, 19,22 realizados em laboratórios especializados e programas de pesquisa e desenvolvimento em plantas medicinais e fitoterápicas. O isolamento dos metabólitos especiais de plantas constitui um trabalho de pesquisa que pode levar a produtos de relevância para a farmacologia, para a quimiotaxonomia e para agricultura, principalmente no que se refere à segurança alimentar. 19,22,41 No Brasil, há cerca de 55 mil espécies vegetais com potencial para o desenvolvimento farmacoterapêutico.3,13 Apesar disso e de toda a diversidade de espécies existentes, o potencial de uso de plantas como fonte de novos medicamentos é ainda pouco explorado. Entre as 250 mil e 500 mil espécies de plantas estimadas no mundo, apenas pequena percentagem tem sido investigadas fitoquimicamente,13,22 fato que ocorre também em relação às propriedades farmacológicas, nas quais, em muitos casos, existem apenas estudos preliminares.13,22,42 A abordagem das plantas medicinais, a partir da adoção por sociedades autóctones de tradição oral, pode ser útil na elaboração de estudos farmacológicos, fitoquímicos e agronômicos sobre elas, evitando perdas econômicas e de tempo e demonstrando que é possível planejar a pesquisa a partir do conhecimento tradicional sobre plantas medicinais, consagrado pelo uso contínuo nas sociedades tradicionais.3,10,11,42 A medicina tradicional visa a frequentemente restaurar o equilíbrio usando plantas quimicamente complexas ou misturando diversas plantas diferentes a fim de maximizar um efeito sinergético ou melhorar a probabilidade de interação com um alvo molecular relevante. 3 Esse tipo de tratamento é extremamente importante para os países em desenvolvimento, onde as plantas medicinais são amplamente utilizadas na Atenção Primária à Saúde (APS). 1,13.
Historicamente, as plantas medicinais são importantes como fitoterápicos e na descoberta de novos fármacos, estando no reino vegetal a maior contribuição de medicamentos.19,22 O termo fitoterapia foi dado à terapêutica que utiliza os medicamentos cujos constituintes ativos são plantas ou derivados vegetais, e que tem a sua origem no conhecimento e no uso popular. As plantas utilizadas para esse fim são tradicionalmente denominadas medicinais.44 O uso de fitoterápicos com finalidade profilática, curativa, paliativa ou com fins de diagnóstico passou a ser oficialmente reconhecido pela OMS em 1978, quando recomendou a difusão mundial dos conhecimentos necessários para o seu uso. 8,9 Considerando-se as plantas medicinais importantes instrumentos da Assistência Farmacêutica1,2, vários comunicados e resoluções da OMS expressam a posição do organismo a respeito da necessidade de valorizar o uso desses medicamentos, no âmbito sanitário, e recomenda que tanto as políticas nacionais como a regulamentação para os produtos oriundos das práticas tradicionais contemplem, entre outros, os conceitos de Medicina Tradicional (MT) e Medicina Complementar/Alternativa (MCA). 1,2,45 No SUS, as ações/programas com plantas medicinais e fitoterapia, distribuídos em todas as regiões do País, ocorrem de maneira diferenciada, com relação aos produtos e serviços oferecidos e, principalmente, às espécies de plantas medicinais disponibilizadas, em virtude dos diferentes biomas. 8, 9 Os estudos sobre programas e ações de fitoterapia demonstram que a inserção de fitoterápicos e plantas medicinais na atenção primária à saúde melhorou o acesso a outras possibilidades terapêuticas, além dos medicamentos de síntese, fortaleceram a implementação de políticas públicas, o desenvolvimento local e promoveram o resgate do saber tradicional da população.9, 43 Adicionalmente, tal inserção estimulou profissionais de saúde a organizar ações de educação em saúde e ambiental, além de ações intersetorais (parceria com agricultura, educação, meio ambiente).8,9,43
Atualmente, os principais instrumentos norteadores para o desenvolvimento das ações/programas com plantas medicinais e fitoterapia são: a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (PICS), com diretrizes e linhas de ação para “Plantas Medicinais e Fitoterapia no SUS”, e a “Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos” (PNPMF)1-3, com abrangência à elaboração/ adequação do marco regulatório e incentivo à pesquisa para plantas medicinais, priorizando a biodiversidade do país o desenvolvimento de tecnologias e inovações nas diversas fases da cadeia produtiva.8,9 O Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicas (PNPMF) incentiva a pesquisa com plantas, exóticas adaptadas ou nativas, incluídas na Relação Nacional de Fitoterápicos (RENAFITO), subsidiada por estudos e pesquisas em desenvolvimento e inovação de produtos principalmente no setor agroindustrial.2 Os critérios, para inclusão na RENAFITO, são: i) ser uma espécie da flora brasileira não ameaçada de extinção; ii) ter distribuição por diversos biomas brasileiros; iii) possuir evidências de segurança e eficácia; iv) registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); v) ser fitoterápicos de uso na atenção básica e vi) ser produzido com plantas exóticas adaptadas ou nativas.1-3 Com o intuito de fortalecer pesquisas com plantas medicinais nativas prioritárias e disponibilizar estas informações, o Ministério da Saúde (MS) publicou, em fevereiro de 2009, a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (RENISUS).2 Esta lista é composta de 71 espécies vegetais, para as quais são priorizadas pesquisas e investimento, com intuito de que as mesmas sejam utilizadas com segurança e eficácia nas suas diferentes formas de apresentação: material vegetal in natura, material vegetal seco, medicamentos manipulados e industrializados. 2-3 A comprovação de segurança e eficácia pode ser feita com base em literatura de uso tradicional ou estudos científicos com a espécie vegetal.3 A fitoterapia é uma prática complementar em saúde das mais conhecidas e utilizadas nos serviços públicos no Brasil, ao contrário do que podemos pensar. Observamos, em alguns municípios brasileiros, interesse cada vez maior dos profissionais de saúde no sentido de serem capacitados na área, pois todos ambicionam melhorar dia a dia seu trabalho na saúde, adquirindo novas ferramentas.46 No SUS, com a expansão da Estratégia Saúde da Família (ESF), como movimento estruturante da atenção básica, abriu-se importante espaço de trabalho para a Fitoterapia1,43,46 pelos fundamentos e princípios desse nível de atenção/estratégia e pela característica da prática da fitoterapia, que envolve interação entre saberes, parcerias nos cuidados com a saúde, ações de promoção e prevenção na Atenção Primária (AP). 8,9 De forma complementar, as ações da fitoterapia promovem o fortalecimento do vínculo dos usuários e da comunidade com as equipes do Programa da ESF, a participação popular, a autonomia dos usuários e o cuidado integral em saúde.8,43 Nesse sentido, a ampliação da cobertura da AP nas diversas regiões e biomas denota potencial para o desenvolvimento de ações com plantas medicinais e fitoterapia nos serviços de saúde, nos diversos níveis de complexidade em que a fitoterapia pode ser ofertada.8,9,43 Na Alemanha, a maior parte dos fitoterápicos, além dos usados para automedicação, é prescrita por médicos de Família e em situações clínicas nas quais o
diagnóstico não pode, em 50% delas, ser totalmente estabelecido no consultório, fato que estimularia os profissionais médicos a valorizarem outros elementos do fazer clínico, como estilo de vida e necessidade de alívio do sofrimento, com menor malefício possível em termos de reações adversas e efeitos colaterais, especialmente junto a pessoas idosas. 47 Em situações assim, naquele país, o profissional com frequência lança mão da fitoterapia, e esse mesmo desejo vemos crescer em nosso país. 43,46 Portanto, o acesso da população à prática e aos benefícios da fitoterapia na atenção básica torna-se campo fértil para o desenvolvimento de suas potencialidades de forma multiprofissional, assim como abre leque de possibilidades e vantagens. A aproximação entre os trabalhadores da saúde e as comunidades torna a relação mais horizontal, reforçando o papel da atenção primária, como primeiro contato do usuário com o SUS, assim como a ampliação das ofertas de cuidado favorece o princípio da integralidade em saúde. 8,9
A Etnobotânica e Etnofarmacologia são importantes ferramentas no resgate de saberes tradicionais e sua aplicabilidade científica, aliando informações adquiridas junto a usuários da flora medicinal (comunidades e especialistas tradicionais), com estudos químicos e farmacológicos. Estes sistemas tomam ainda uma importância maior, quando estudos relatam que muitos destes conhecimentos tradicionais estão sendo perdidos ao longo do tempo, seja pelo extermínio de alguns povos que não deixaram registros escritos, seja pela introdução de novos hábitos pelas sociedades modernas. Estudos sobre programas e ações de fitoterapia demonstram que a inserção de fitoterápicos e plantas medicinais na atenção primária à saúde melhorou o acesso a outras possibilidades terapêuticas, além dos medicamentos de síntese, fortaleceram a implementação de políticas públicas, o desenvolvimento local e promoveram o resgate do saber tradicional da população, contribuindo, assim, para socialização da pesquisa científica e desenvolvimento da visão crítica tanto dos profissionais quanto da população sobre o uso adequado de plantas medicinais e fitoterápicas.
Maria Diana Cerqueira Sales: Graduação em Farmácia e Bioquímica (UFMG, 1981), Especialização em Homeopatia (IHFL, 1987), Mestrado em Biotecnologia (UFES, 2009) e Doutorado em Biotecnologia (UFES/RENORBIO, 2013). – (Docente Emescam, no curso de Farmácia Generalista (desde 2009) e no Curso de Mestrado em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local e Membro Comissão Farmacopeia Brasileira/ANVISA (desde 2008).).
Elisiane de Bona Sartor: Graduação em Farmácia e Bioquímica pela UFSC (1997) e Pós Graduação em Farmácia Clínica e Farmacoterapia pela UNISUL (2000). – ( Consultora Farmacêutica, na área de Etnofarmacobotânica e Políticas Públicas com ênfase em Desenvolvimento de Programas do uso de Fitoterapia e Plantas Medicinais. ).
Raquel de Matos Lopes Gentilli: Graduação no Curso de Serviço Social pela UFES (1975), Mestrado em Ciências Sociais pela PUC-SP e Doutorado em Serviço na PUC-SP. Docente Emescam, no curso de Serviço Social (desde 2007) e no Curso de Mestrado em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local (desde 2009).