Os autores descrevem um caso de cisto esplênico tratado com esplenectomia subtotal com preservação do pólo inferior, sendo esta a primeira descrição na literatura médica do emprego desta técnica em humanos.
Os cistos do baço são raros, sendo observados em 0,075% das autópsias. Podem ser classificados em verdadeiros ou pseudocistos. Os verdadeiros possuem paredes com revestimento celular e os pseudocistos são desprovidos de revestimento interno.1,2,3 O tratamento cirúrgico dos cistos esplênicos é indicado para lesões maiores que 5 cm e lesões sintomáticas.
Procura-se preservar o máximo de tecido esplênico. A esplenectomia subtotal com preservação do polo inferior (ESTPI) é uma alternativa que segundo o nosso conhecimento não foi ainda descrita para tratamento de cisto esplênico, o que justifica o presente relato.4,5 Esta técnica já foi descrita e revista em animais de experimentação.
A.K.B., 49 anos, mulher, internada no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, em fevereiro de 2011, relatando dor em região de hipocôndrio esquerdo, há um ano, em pontada, de média intensidade, intermitente, desencadeada pela alimentação, associada à dor lombar à esquerda, de forte intensidade. Relatava perda ponderal de 7kg em sete meses. Negava febre, vômitos, diarreia ou qualquer outro sintoma, apenas hipertensa em uso regular de propranolol.
Mantinha-se em bom estado geral, com baço palpável a dois centímetros do rebordo costal esquerdo, abdome indolor à palpação superficial e profunda.
O hemograma, as provas de função hepática e o exame de urina estavam dentro da normalidade.
A tomografia computadorizada de abdome evidenciou baço aumentado, apresentando volumosa imagem cística, medindo 9,7 x 8,8 cm, de conteúdo hipodenso e homogêneo, determinando leve compressão às estruturas adjacentes (Figura 1-B).
No ato cirúrgico, identificou-se volumoso cisto na porção superior do baço. Foi realizada a ESTPI (Figura 1-A). O conteúdo líquido amarelo-citrino do cisto foi enviado para pesquisa de células neoplásica, bacterioscopia e cultura. A porção retirada do baço foi enviada para estudo anatomopatológico.
A análise do líquido foi negativa para células neoplásicas. Ao exame macroscópico: baço com formação cística medindo 11,5 x 10 x 5 cm, com superfície externa acinzentada e rugosa. Superfície interna do cisto pardacento-claro e rugoso. Ao corte, tecido avermelhado e cruento.
A paciente recebeu alta no dia 5º dia de pós-operatório sem nenhuma intercorrência. Acompanhada semanalmente no primeiro mês e, depois disso, mensalmente.
A conduta no tratamento dos cistos esplênicos é controversa. Naqueles de pequeno diâmetro, com o paciente assintomático, em que a lesão pode permanecer sem alterações durante toda a vida, prefere-se acompanhamento radiológico (principalmente através da ultrassonografia) e conduta expectante. Já naqueles com diâmetro maior que 5cm, e/ou sintomáticos, está indicada conduta cirúrgica. Alguns autores acreditam que o emprego da técnica de esplenectomia parcial, a qual não prejudica as funções imunológicas do baço, seja o tratamento de escolha para as lesões císticas esplênicas.4
Neste caso, a paciente foi operada por ser sintomática, e por ser o cisto volumoso. Durante o ato operatório, observou-se uma artéria polar inferior em direção ao baço. Após a ligadura da artéria esplênica, verificou-se que houve delimitação na coloração do parênquima esplênico, com os 2/3 superiores mal perfundidos, e o terço inferior mantinha-se sangrante. Então, decidiu-se preservar o parênquima irrigado por este vaso polar inferior (Figura 1-C). O procedimento cirúrgico transcorreu sem intercorrências, bem como o pós-operatório, recebendo alta no 5º dia depois do procedimento.
No 4º mês de pós-operatório, a paciente permanecia clinicamente assintomática, com exames laboratoriais normais. A sua tomografia computadorizada de controle mostrou baço com volume reduzido, densidade normal, sem áreas de captação anômala pelo meio de contraste (Figura 1-D). A ultrassonografia com Doppler colorido demonstrou o polo inferior com forma e contornos normais, ecotextura preservada e dimensões reduzidas (volume de 51,1cm3), mantendo fluxo preservado, com velocidade de pico sistólico de 35,55cm/s.
Figura 1- Representação esquemática da esplenectomia subtotal com preservação do polo inferior em paciente com volumoso cisto esplênico.
Fonte: próprio autor
A – AE artéria esplênica; API-artéria polar inferior; PI- polo inferior; PS-polo superior;
B – Observar tomografia do pré-operatório com cisto esplênico (CE);
C – Polo inferior preservado durante a cirurgia; ES-Estômago; CD-cólon descen-dente;
D – Tomografia no pós-operatório mostran-do no detalhe o polo inferior preservado.
Danilo Nagib Salomão Paulo; Roger Bongestab²; Gustavo Alves de Oliveira³; Carlos André Daher4; Cristiano Ventorim de Barros5
1 Doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Médico, Professor Titular da Disciplina de Fundamentos da Cirurgia da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória-EMESCAM.
2 Especialista Cirurgia Geral e Nutrologia, Médico.
3 Especialista Cirurgião Geral e Bariátrica, Médico.
4 Especialista em Cirurgia Geral, Vascular e Radiologia Intervencionista, Médico.
5 Doutor pela Universidade de São Paulo – USP, Médico, Professor de Radiologia da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória-EMESCAM.